Eu ♥ Este Livro #4

13 fevereiro C. Vieira 0 Comments

Estamos em pleno começo de semana e nada melhor do que conhecer algo sobre um novo (talvez, velho. Quem sabe, desconhecido) livro. Por isso, eu escolho com cuidado os que desejo que outras e outros leiam pois se foram especiais para mim suas leituras, desejo que gerem o mesmo sentimento a quem pousar os olhos sobre suas linhas.
Bem, para este novo Eu ♥ Este Livro, fiz, como sempre, um pequeno e rápido sorteio e o escolhido foi...




É um livro curto e de rápida leitura. Pelo menos diante, diante dos outros que ela escreveu. Mas foi o primeiro que li dela e achei fantástico seu entendimento do mundo (o livro foi escrito em 1929) com relação às mulheres e suas condições de vida dentro da sociedade. Por minha formação acadêmica (e, claro, por ser uma mulher!), eu tenho lido bastante sobre a condição feminina, mas nunca cheguei (na época da faculdade) a ler um livro sequer de Virginia Woolf. Até que descobri Um Teto Todo Seu na biblioteca (eu já contei sobre minhas manias em relação a livros, incluindo emprestá-los da biblioteca sempre que possível? Bem, eu conto com mais enfoque depois). Foi uma descoberta fantástica porque eu sempre me perguntava como as escritoras de antes de meu tempo se viravam para poderem se manterem produzindo obras em uma época (não tão diferente assim da atual) em que esperava-se que "produzissem", na verdade, almoços, jantares, roupas lavadas, casas limpas e crianças limpinhas e comportadas. Eu me perguntava o que elas pensavam (aquelas que não queriam nada disso) desta "obrigação biológica" que lhes era imposta socialmente falando (e literalmente também). E foi com livros como este que entendi como George Sand (que, na verdade, se chamava Amandine Aurore Lucile Dupin), Currer, Ellis e Acton Bell (na verdade, Charlotte, Emily e Anne Brönte), J.K.Rowling (é, ela também...), Robert Galbraith (J. K. Rowling de novo), P.D. James (Phyllis Dorothy James), e George Eliot (Mary Anne Evans) buscavam lutar para que o que escreviam pudessem ter o mesmo espaço. É claro que a publicação em si não lhes garantia status algum dentro do mundo literário, e mesmo hoje em dia, vê-se ainda o caminho longo que escritoras trilham dentro deste complicado clubinho de autores. Um texto muito legal que encontrei sobre o assunto é este aqui.
Mas voltando ao livro, Um Teto Todo Seu é um ensaio (avaliação crítica sobre as propriedades, a qualidade ou a maneira de usar algo; teste, experimento.), escrito como uma narrativa, que se baseia nas palestras que Woolf dava para estudantes de duas universidades exclusivamente compostas de mulheres (nessa época não era permitido misturar alunas e alunos exatamente como nos colégios internos da vida) e tem capítulos que impactam pelo que ela mostra sobre a relação do trabalho e da mulher como somente pensada em um norte: o lar. O pai de Woolf, por exemplo, (que era escritor) acreditava que apenas meninos deveriam ir para a escola e, assim, a própria Virgina não teve acesso ao ensino tradicional; demonstrando a importância da educação na vida das pessoas e o quanto a falta dela veio a prejudicá-la. Cita Shakespeare, a diferença de tratamento que ele e uma irmã inventada teriam dos pais. Critica aqueles que tentaram deslegitimar a escrita de autoras conhecidas de sua época apenas por serem mulheres (seres considerados intelectualmente inferiores)

"A mulher guia como um farol as obras de todos os poetas desde o início dos tempos. (...) Se as mulheres não tivessem outra existência que não na ficção escrita pelos homens, na verdade, alguém até poderia pensar que ela é uma pessoa da mais alta importância; bastante variada; heroica e desprezível; esplêndida e sórdida; bela e discreta ao máximo; tão grande quanto os homens, alguns diriam até maiores. Mas estas são as mulheres na ficção. Não, na realidade, como o Professor Trevelyan apontou, elas são trancadas, abusadas e jogadas pelos cantos dos quartos.
Assim se formula um ser bem excêntrico e multifacetado. Ela exerce a maior importância imaginariamente; ela é completamente insignificante efetivamente. Ela está na poesia de capa a capa; ela é tudo, mas é inexistente na história. Ela manda na vida de reis e conquistadores na ficção; na realidade, ela é a escrava de qualquer garoto cujos pais enfiaram um anel em seu dedo. Algumas das palavras mais inspiradas e dos pensamentos mais profundos da literatura saíram de seus lábios; na vida real ela mal pode ler; ou soletrar; e era propriedade de seu marido." - trecho de Um Teto Todo Seu

E aquelas que vão um pouco além da "esquina", tem de lutar (literalmente) para que esta decisão possa ser mantida. É interessante porque Virgínia somente pode seguir sua profissão pela providência de uma parenta que lhe reservou uma renda por toda a vida (no Reino Unido e outros locais sob as mesmas regras de economia havia este costume). O que a ajudou a poder voltar-se completamente para a escrita. E nos brindar com suas joias literárias.
Mas pensemos, e se esta parenta não tivesse feito esta generosidade em testamento? E se Virginia Woolf, como a maior parte das mulheres de seu tempo (e de hoje) tivesse de viver para trabalhar, será que teria tempo e/ou oportunidade de ter um "teto' onde pudesse se sentar, debruçar sobre uma mesa e escrever seus pensamentos e ideias?
Acredito que não. E é sobre esta percepção de privilégio que a autora decidiu palestrar e compilar tudo em um livro. É claro que o pensamento de poder ser uma pessoa com condições de se dedicar exclusivamente a uma profissão - que precisa de tempo para ter retorno - é mais complexo do que se possa imaginar. Lendo as críticas ao livro, eu gostei da fala da escritora Alice Walker (A Cor Púrpura) que diz:

"O que, então, podemos dizer de Phillis Wheatley, uma escrava, que nem sequer possuía a si mesma? Esta moça doente, frágil, preta, que precisava de alguém para ajudá-la, às vezes — a saúde dela era muito precária — e que, se tivesse nascido branca, teria sido facilmente seu intelecto considerado superior dentre todas as mulheres e a maioria dos homens na sociedade de sua época."

"Walker reconhece que Wheatley estava em uma posição muito diferente da narradora do ensaio de Woolf, em que ela, Wheatley, não possui ela mesma, nem mesmo "um quarto de sua propriedade". Wheatley e outras escritoras existem fora deste teto, fora deste espaço que Woolf define como à parte para escritoras. Embora ela chame a atenção para os limites do ensaio de Virginia Woolf, Alice Walker, unindo a prosa feminista (escrita de mulheres) ao espaço físico e metafórico dos "jardins de nossas mães", rende homenagem ao semelhante esforço de Woolf pelas que procuram um espaço,  um "quarto" para escritoras."

Enfim, o labor do escritor é difícil em um mundo que desvaloriza o trabalho intelectual frente ao braçal. Porém, o da escritora se veste mais do que apenas desta luta binária. A questão da condição feminina dentro da sociedade é refletida não apenas em sua escrita, mas também em sua busca por posicionamento profissional. A escrita feminina acaba por ser desvalorizada pelo imaginário que se construiu/constrói sobre o "ser mulher", mas também pela desvalorização da ideia de um ser feminino sentado por horas diante de um caderno, um computador ou outra ferramenta. Por isso, a importância deste livro (e de outros tantos sobre a questão do labor da escritora), para que se rompa com a ideia canhestra de que 1) a escrita feminina não possui valor e conteúdo inestimável para humanidade e 2) ela não deve ter seu espaço (físico ou virtual) valorizado, mantido e respeitado.

Eu recomendo este livro a cada uma e cada um que queira porque Virginia Woolf considerava Anônimo como uma mulher e porque é preciso que cada uma tenha um teto todo seu para criar e gerar o conhecimento (de qualquer tipo) que a Humanidade precisa.


Até o próximo livro!

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